Explore o metaverso na ficção científica “Ânima – Ameaça Virtual”

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Inteligência artificial. Mundo on-line. Metaverso. Esses são apenas alguns dos temas mais recorrentes nos últimos anos, com a tecnologia atingindo diversas áreas de nossas vidas. Assim como ocorreu com outros avanços tecnológicos, a literatura aparece como cenário para debate e projeção de previsões futuras, bebendo da realidade e a extrapolando. Nesse sentido, a ficção científica Ânima – Ameaça Virtual, escrita pelo trio Mariana Madelinn, Carol Vidal e Ricardo Santos, explora tais possibilidades, fornecendo um contexto mais próximo, uma Salvador futurista.

 

O livro, publicado pela Editora Avec, apresenta um metaverso totalmente brasileiro, Ânima. Fenômeno global, esse mundo on-line começa a apresentar perigos bem reais. Com o misterioso desaparecimento de Kelly Hashimoto, a cocriadora do Ânima, uma série de estranhos acontecimentos irrompem, e muitos acreditam ser ela a chave para pôr fim a eles. Inicia-se então uma busca, dentro e fora do multiverso, envolvendo Vagner, um agente secreto do governo, Lia, uma ex-operadora de telemarketing desempregada, e Niara, a namorada de Kelly.

 

Para conhecer mais sobre o ponto de partida da criação da história e debater sobre literatura e tecnologia, conversamos com os autores em um papo exclusivo. Confira:

 

Como surgiu a ideia de Ânima – Ameaça Virtual e a parceria de vocês?

 

MARIANA MADELINN: Quem puxou a roda foi Ricardo Santos. Já éramos amigos e ele tinha esse desejo de escrever uma ficção científica à três mãos, então me convidou pro projeto e eu sugeri o nome de Carol. Como temos jornadas literárias bem similares, não foi difícil pensar a história. Nos reunimos por videoconferência no passo a passo do livro e a trama foi sendo construída, assim como nossa relação se estreitando.

 

CAROL VIDAL: Um dia recebi uma mensagem de Ricardo me convidando pro projeto e eu topei na hora! Aí foram muitas reuniões de brainstorm até chegarmos num consenso de que história queríamos contar.

 

RICARDO SANTOS: Eu tive a ideia. Sempre gostei de ler livros escritos por mais de um autor. Queria experimentar essa empreitada. Convidei Mariana Madelinn, que acabou chamando Carol Vidal. Na verdade, havia um quarto autor, mas ele teve que nos deixar para se dedicar a outros projetos. 

 

Foguetes em direção ao espaço, robôs ajudando em tarefas domésticas, radares e videoconferências, a literatura previu e se inspirou em diversas dessas tecnologias. Desta vez, com Ânima, chegamos ao metaverso. A ficção científica tem como um dos pontos centrais o diálogo com os desdobramentos, visíveis e possíveis, da sociedade. Qual a percepção de vocês sobre o uso de tecnologia e a influência do tema na literatura atualmente?

 

M: A ficção científica é esse gênero literário que mais se ocupa em discutir a ciência e suas tecnologias. O metaverso já é uma realidade e isso pode ser notado desde os rebrandings das redes sociais, como o Facebook, que adotou o nome “Meta”, e o Twitter, que virou “X” (embora encarado como uma excentricidade do Elon Musk, trata-se de um projeto antigo de criação de um metaverso), até toda a discussão sobre criptomoedas, NFT e o Drex.

 

Nesse sentido, acho que sentíamos falta de um romance que abordasse essa relação com o metaverso e trouxesse mais representatividade, inclusive mais brasilidade. Não é à toa que os pontos de vista do Ânima são majoritariamente negros e LGBTQIA+. Nos propomos a pensar prós e contras dessa tecnologia, debatendo o quanto controlamos essas ferramentas ou somos controladas por elas. O trope robô x humano não é novo, mas ele se refina ao longo do tempo. E acho que o momento atual da literatura exige que novas vozes tragam suas perspectivas.

 

C: Acho que, como diversos outros aspectos da nossa existência, a tecnologia, pela importância que tem na nossa vida, é um tema bem explorado na literatura, especialmente na ficção especulativa — mostrando o lado bom e o ruim do avanço tecnológico. Falando como escritora, hoje em dia é difícil me desvencilhar de espaços virtuais como as redes sociais para divulgar meu trabalho e chegar em novos leitores. O que tento fazer é dividir meu tempo para não ser sugada pelas redes e acabar prejudicando meu tempo de escrita.

 

R: Na minha concepção, o avanço tecnológico deve sempre estar atrelado à ética, ao bem-estar social e a partilha de conhecimentos e de recursos. A tecnologia pode ser opressora ou pode melhorar nossas vidas. Tudo vai depender de quem estiver por trás das máquinas, financiando, programando, fiscalizando, fazendo as leis. O metaverso também entra nessa lógica. E é um ótimo tema para refletirmos que tipo de sociedade queremos construir. 

 

Carol Vidal, Mariana Madelinn e Ricardo Santos (Imagem: divulgação)

 

Podem nos contar um pouco como foi o processo de escrita, pensando que é um livro escrito a seis mãos? E sobre como foi estruturada a história?

 

M: Como comentei, tivemos reuniões por videoconferência. A primeira delas foi um grande brainstorm, onde elencamos possíveis tramas a abordar. Depois de decidirmos a linha principal da história, escrevíamos os capítulos e compartilhávamos na nuvem, de modo que fosse possível uma leitura coletiva. 

 

As reuniões eram cíclicas, para que a trama se mantivesse coerente e porque alguns capítulos exigiam que esperássemos a escrita de um autor, para que o outro desse continuidade. 

 

O processo criativo foi bem livre, mas as releituras foram mais arquitetadas. Submetemos o texto à betagem e leitura crítica. Fizemos inúmeras revisões! Foi um trabalho de formiguinha, que se estendeu por 3 anos, e agora o resultado está no mundo!

 

C: A partir do momento que decidimos as linhas gerais do universo e quais seriam nossos personagens, partimos para a escrita. Fazíamos reuniões periódicas para discutir o que já havia sido criado e definir os passos seguintes. Por isso, a estrutura da história foi sendo construída ao longo do processo de escrita. Depois, passamos por diversas releituras para ajustar todos os detalhes e deixar a história coerente e sem nenhum furo.

 

R: Foi um baita desafio escrever um romance com outras pessoas. Mas foi um processo recompensador. Primeiro é preciso escolher bem quem vai te acompanhar nessa jornada. Todos os autores devem ser compromissados, focados e ter a mente aberta para ouvir e para mudar quando necessário. Em relação à estrutura do livro, definimos a melhor forma de contar uma história coesa, que fizesse sentido, mas que, ao mesmo tempo, desse mais liberdade para os três autores criarem personagens, subtramas e reviravoltas.

 

O livro se passa em Salvador, em um futuro próximo, aproximando assim a ficção científica de um contexto brasileiro. Como a escolha do local influenciou na narrativa? O que vocês, como baianos, ou quase — Carol é carioca, mas mora há anos em Salvador —, levaram de bagagem na hora tanto da construção dos personagens como na ambientação da história?

 

M: O sotaque é o principal elemento. Os diálogos estão recheados de gírias locais! Para algumas cenas externas (fora do metaverso), também há passagens de bairros reais de Salvador. 

 

O metaverso em si é bastante amplo, onde quem joga cria seu próprio universo e por isso, há elementos muito brasileiros e outros considerados mais mundiais. Mas a estética do Torneio (que acontece no metaverso) e principalmente a base rítmica das provas é local, trazendo pinceladas de pagotrap e MPB.

 

C: Localizar a história em Salvador e usar dos lugares e do sotaque daqui são, para mim, os grandes diferenciais desse livro. Muitas vezes, ao pensarmos na ficção científica, vem aquela imagem de histórias estadunidenses que em nada têm a ver com a nossa realidade. Quisemos, com Ânima, mostrar que é perfeitamente possível usar dos elementos comuns de sci-fi e fazê-los funcionar no contexto brasileiro e baiano. E a história não deixa de ser divertida por isso. Muito pelo contrário: o tempero baiano dá todo um charme à narrativa!

 

R: A decisão de ambientar a história em Salvador surgiu ao longo do processo de criação do mundo do Ânima. No final, foi uma decisão muito acertada. Pois assim pudemos dar mais autenticidade às ideias que levantamos sobre desigualdade social e uso da tecnologia. Além de valorizar uma cultura nordestina e baiana. 

 

Quais foram as principais transformações em relação aos seus interesses e suas percepções sobre a sua escrita ao longo dos anos?

 

M: Foi a primeira vez que escrevi um livro em parceria e acho que a experiência me ensinou bastante sobre a fluidez do texto. Imagino que as pessoas pensem que é um processo mais engessado, por exigir negociações, debates sobre a trama. Mas quando se trabalha na mesma linha criativa, essas etapas se tornam menos árduas e intuitivamente as ideias se complementam. Então o que importa é estar na mesma frequência, buscando a mesma meta.

 

Acho que como transformação, posso falar sobre a maturidade na produção do texto. Sempre aprendemos quando escutamos outras opiniões e o processo todo envolveu muitas vozes! Então penso que amadureci a minha voz na escrita, me sinto mais preparada, mais confiante.

 

R: Minha maior mudança foi não querer ter mais tanto controle sobre o processo de escrita, tanta preparação. Um planejamento da trama ainda é necessário. Porém, tão importante quanto é deixar espaço para a criatividade, para o desenvolvimento dos personagens e da linguagem. 

 

C: Me aproximar da ficção especulativa foi uma das maiores reviravoltas na minha carreira literária. Quando comecei a escrever, minha bagagem de leitura ia muito mais pro contemporâneo. E, ao começar a ter contato com a ficção especulativa, eu descobri que minhas histórias ficavam muito melhores quando eu me apropriava dos elementos insólitos. Hoje, não me vejo escrevendo de outro jeito!


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