João Miranda apresenta Leda, webcomic baseada na mitologia grega

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Leda, instituída de poderes divinos por Zeus, é constantemente instruída por ele a regular as atividades dos outros Deuses. Em meio a combates intensos, ela enfrenta a maior batalha de todas… em si mesma.
 

Baseada na mitológia grega, a webcomic Leda, de João Miranda, debate sobre  relacionamentos tóxicos, poder e privilégios. Em entrevista exclusiva ao site, o autor não poupou detalhes sobre a concepção do quadrinho e como observa o cenário de webcomics atualmente.
 

Confira:
 

Como surgiu a webcomic Leda?
 

Eu sou formado em artes plásticas e antes de ter qualquer embrião do que fosse LEDA, eu tinha feito algumas HQs para exposições (uma delas envolvendo o Bernardo Mascarenhas, figura histórica da cidade de Juíz de Fora e responsável pela primeira hidroelétrica do país), fora o  meu TCC que gerou uma Hqtrônica chamada Sharpeville (inspirada no massacre de sharpeville, um evento que precipitou a queda do apartheid na África do sul). As duas me exigiram pesquisas pesadas de materiais bem fora da curva, tanto para criar as histórias, quanto para desenvolver os ambientes em que elas se passam.
 

Depois desses projetos, senti a necessidade de fazer uma história um pouco mais leve de pesquisa teórica, de ação e com um material de pesquisa bem mais acessível.
 

Nisso, eu me deparei com um artigo do site Idea Fixa sobre as representações do mito de Leda e o Cisne ao longo da história da arte. A constante fixação da representação erótica dessas personagens, se tornou uma fixação pessoal em entender e traduzir os desejos e consequências de uma relação tão estranha e assimétrica. LEDA então tenta preencher as lacunas da minha mente sobre não só esse relacionamento (que nunca passou do ato e concepção de 4 crianças importantes para a mitologia e dramaturgia grega), mas de tantos outros relacionamentos tóxicos e assimétricos que temos em nossa sociedade atual (e de como as vezes escapar dessa armadilha é um esforço descomunal). No caminho eu ando discutindo sobre poder, privilégios e desgovernos (afinal, 2019 né? Fica difícil não pensar nessas coisas…) 
 


 

Leda está sendo publicada desde 2017 e conta com mais de 50 episódios. O que observa do cenário brasileiro de webcomics nestes dois anos de publicação?
 

Desde antes de eu começar a publicar, já via uma movimentação bem interessante de páginas no Facebook, principalmente de tiras e charges de humor. Apesar de eu não ser do universo das tiras, ver uma produção tão diversa e abundante me deu confiança pra começar a colocar meu bloco na rua. De lá, pra cá vejo que estamos em uma época de excelentes autores de séries, de vários gêneros e temáticas, inclusive abrindo um terreno sem precedentes pra narrativas de grupos marginalizados socialmente. Talvez a gente não tivesse eventos dedicados a quadrinhos periféricos, queer e produção de mulheres, se não tivéssemos essa movimentação intensa online, fora dos quadrinhos mainstream.
 

Dessa forma, pra mim, falta um reconhecimento mais amplo dessas histórias e de como esses autores conseguem angariar e manter público pra essa mídia tão “nova” em comparação à sua irmã impressa. Não é raro que o autor que não imprime, não ser citado pelos críticos ou o bom material não tem tanta atenção quanto os publicados fisicamente, inclusive muita gente que está com material rodando há anos só tem luz sob eles quando resolvem montar um crowdfunding e afins. Eu sinto ainda um vácuo de mais veículos falando sobre webcomics e sobre artistas que ascendem desse meio (e isso nem falo só do mercado nacional, grandes youtubers de cultura pop da gringa raramente se debruçam em webcomics populares para fazer crítica ou recomendação. O que é frustrante). 
 

Talvez parte disso se calque em como a mídia online é frágil em relação à documentação e manutenção para a história do meio: uma boa parte das hqs que o Edgar Franco cita no seu vital livro teórico sobre Hs digitais “Hqtrônicas: do suporte papel à rede Internet”, especialmente no âmbito nacional, simplesmente não existem mais: seja porque as plataformas se extinguiram ou porque os autores largaram a mídia. Eu mesmo tive um problema com o Tapas e as políticas da Apple de conteúdo adulto por conta do meu material: de acordo com o email que me mandaram, os usuários de IOS não vão conseguir acessar meu material e isso faz com que o jogo de publicação fique muito frágil para os produtores que cresceram e querem usar a mídia como casa e objeto de experimentação. Inclusive Hqtrônicas com experimentação multimídia do meio já são raras pela dificuldade de execução, divulgação e captação de público, ainda se soma isso com a fragilidade de documentação do meio e das tecnologias que sempre mudam. Não é novidade e nem raro que o artista nacional de hq se mantêm de outras coisas a não ser quadrinhos, para o autor de webcomic isso é vital, já que depender do financiamento recorrente – como o apoia.se – é um privilégio de poucos. 
 

Dá pra comparar o quanto a geração que está publicando atualmente pela web é importante para renovar e empurrar o cenário nacional adiante – inclusive angariando novos públicos  – em relação ao que foi o movimento de fanzines e de publicações independentes pré-internet: a ideia de organizar coletivos, de produzir e ser seu editor, diagramador, distribuidor, marketing, ponto de venda e afins é correlata a muito do que se faz online, ainda mais nessa era de bolhas e algoritmos em que vivemos.
 

Fechar os olhos para essa produção – e para o independente no geral – ou fazer com que ela morra pela falta de condição prática para que os artistas exerçam o ofício, é colocar a HQ nacional em si em uma situação bem delicada
 

Por quê manter o conteúdo sexual mesmo que isso faça com que a publicação online da sua HQ fique mais limitada?
 

  O meio online me dá a chance de conversar com um publico grande nesse primeiro momento. A trama da Leda, personagem mitológica, é sexual e trágica (mesmo nas entrelinhas), não só dela, mas também de tantos outros personagens mitológicos. Ignorar isso tira parte do que faz essa história e mitologia tão particular. 
 

  Eu quero aproveitar cada vez mais para mostrar relações adultas e sem filtro, temos a sexualidade no mainstream sendo representada muito mais pela violência sexual ou por relações mais pueris do que exatamente o envolvimento de duas pessoas adultas. 
 

  Nisso as webcomics e os independentes, especialmente em agregadores de hqs eróticas como Slipshine, buscam representar em todas as suas cores e formas relacionamentos adultos, saudáveis ou apenas físicos, mas com responsabilidade. É o que eu quero fazer com minha hq: mostrar relações adultas e dramas com o máximo de formas possível.
 


 


Qual a periodicidade de publicação da webcomic?
 

Leda tá sendo publicada semanalmente, às sextas feiras no tapas! (mas os apoiadores da HQ recebem material adiantado!)
 

Como é seu processo criativo? E quais suas influências?
 

Deixa eu falar sobre as influências primeiro pois elas afetam a forma que LEDA foi concebida e ainda é produzida: eu sou aficionado por mangás desde que era moleque. Ainda consumo eles em boa quantidade, e leio obras que tem claras influências deles online. Nisso, o anime Evangelion de Hideaki Anno, me abriu as portas para consumir histórias mais focadas nos dramas pessoais. Ele eu posso dizer que é a minha principal influência como autor e consumidor de narrativas.
 

Minha inicial influência no traço foi o Masakazu Katsura (de Vídeo Girl Ai), isso bem antes de Takehiko Inue (Vagabond) dar as caras no mercado nacional e fazer queixos (como o meu) cairem. Yukito Kishiro de Battle Angel ALITA é uma referência muito forte pra LEDA, inclusive na progressão da protagonista e na sua representação seca – porém ainda estética – da violência. Mas no meio do caminho surgiu o album francês “676 aparições de Killoffer” de Patrice Killoffer, com a sua diagramação fragmentada e sua temática cruelmente autobiográfica (e autodepreciativa), me impactou profundamente e me abriu pra outras mil coisas, inclusive para obra de caras como Greg Thompson, que me faz chorar na forma em que orquestra álbuns GIGANTES sem perder o fôlego, como em Habibi (meu favorito).
 

Desenvolver hqs não é exatamente a coisa mais orgânica pra mim (por hora), mas toda história que eu crio – seja curta ou longa – busca preencher lacunas e dúvidas pessoais sobre a vida, sociedade e a maldade, no geral. Pensar nos fatores que levam pessoas comuns a realizarem feitos horríveis ou como caímos em obsessões, acabam sendo meus temas favoritos, é uma forma de me olhar diante desse mundo também. Os quadros sem requadros foi influencia não só do Killoffer, mas principalmente do Will Eisner, por mais que eu ainda não tenha atingido a elegância e clareza na qual o mestre fazia isso. Fazer HQ sem requadro me faz pensar a página como uma grande pintura à ser composta, o que me diverte por um lado e torna minha vida menos simples por outro.
 

Minha linha de produtividade é caótica por eu trabalhar 8 horas por dia, 5 dias por semana como designer em um bairro há 2 horas de deslocamento da minha casa. Para que o meu fluxo de produção não parasse ou eu não tivesse condicionado a produzir só em casa, tive de fazer com que a produção artística se espremesse ao longo do meu dia: arrumei um tablet para trabalhar no transporte público ou quando tenho algum tempinho no almoço. Digito meus roteiros no celular e pesquiso nos dias em que não consigo lugar sentado. O processo de editar, letrar e publicar no Tapas é daqui de casa (onde tenho tempo, paz e equipamento para fazer isso direito).
 

O ato de me forçar, obter as ferramentas e andar um pouquinho a cada dia é que faz com que a obra siga do jeito que ainda segue.
 



Você têm algum plano de a HQ ganhar uma versão impressa futuramente?
 

  Sim! Mas por hora eu não posso confirmar quando e por onde. Espero poder dar notícias sobre isso em breve!
 




#Quadrinhos   ;


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