ENTREVISTA: Helô D’Angelo apresenta o quadrinho “Nos olhos de quem vê”

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Vigor, juventude, beleza.
A sociedade faz com que nos olhemos no espelho em busca de características pré-determinadas, modificando a nossa relação com o corpo, lançando-nos ao centro de uma corrida cotidiana infrutífera em busca de uma perfeição inalcançável. Se você é mulher, essa pressão é multiplicada. 
 

A quadrinista e ilustradora Helô D’Angelo, em “Nos olhos de quem vê”, apresenta um relato autobiográfico sobre a vivência feminina. A relação com o corpo, com os padrões estéticos e a imposição de comportamentos pela sociedade, estão entre os temas centrais do livro publicado pela Editora HarperCollins. Através do traço característico de D’Angelo, a obra apresenta reflexões de forma sincera e descontraída. 
 

Para conhecer mais sobre “Nos olhos de quem vê”, conversamos com a autora, que contou sobre como surgiu a obra e deu detalhes do processo criativo. 
 

Em seus trabalhos, temas sociais e políticos são frequentes. Além disso, vários deles, como neste novo, são baseados em relatos autobiográficos sobre a vivência feminina. Como é para você produzir obras ao mesmo tempo intimistas e tão representativas? 
 

Eu sempre começo meus trabalhos pensando o mundo a partir da minha vivência, pois é ali que tenho mais propriedade para falar. Só que, como minha vivência é de mulher num mundo patriarcal, eu acabo falando também da experiência de várias outras pessoas. Então, acaba sendo uma combinação de desabafo com a descoberta de que não estou sozinha em muitas das violências que enfrento. Acho também que, quando falamos de nós mesmos com sinceridade e vulnerabilidade, sem tentar maquiar ou esconder nosso lado “feio”, a obra acaba sendo uma ferramenta para muitas pessoas começarem a discutir temas com os quais, de outra forma, talvez nem tivessem contato. Por isso a autobiografia é meu gênero favorito.
 

“Nos olhos de quem vê” traz reflexões sobre a relação das mulheres com o corpo e os padrões estéticos estabelecidos a partir de suas vivências sobre isso. Você pode falar um pouco sobre o ponto de partida do livro? Houve algum estímulo em particular para você dar início à criação dele?
 

Eu já queria escrever um livro sobre esse assunto há muito tempo, mas sempre ficava com medo, pois sabia que seria um processo difícil – eu teria que reviver muitos processos autodestrutivos, momentos desagradáveis, pensamentos terríveis. Também me preocupava o que as pessoas pensariam de mim ao ler reflexões sinceras sobre algo tão complexo. O pontapé inicial, na verdade, foi a HarperCollins ter me procurado e proposto um livro de tema livre. Aí, foi o estímulo que eu precisava: a partir das primeiras conversas com as editoras eu já comecei a esboçar o livro, num processo um pouco maluco (falarei mais abaixo). Depois, passei pelo término de um relacionamento amoroso de oito anos – algo que me destruiu, mas que também me fez repensar quem sou, e isso me deu uma força absurda para trabalhar no livro.
 

Fale um pouco sobre o seu processo criativo. Quais técnicas usou no livro?
 

O livro foi totalmente feito no digital, usando o iPad e o Procreate. Ele foi colorido apenas em ciano, depois de vários testes, e usei um brush que emula um pincel de aquarela. Mas, antes do digital, usei um fichário físico e folhas sulfite para esboçar as páginas e escrever o roteiro, tudo ao mesmo tempo, imagem e texto. Senti como se fosse um vômito, algo que ia me saindo sem muita ordem ou controle. Escrevi e esbocei por vários dias assim, de forma quase obsessiva e furiosa, e só no fim reli tudo e voltei para editar. Usei o fichário para poder trocar páginas de lugar nesse processo. O resultado foi um livro dividido em capítulos que correspondem a partes do corpo – pele, cabelo, gordura, seios -, de modo que consegui me aprofundar na minha relação com cada uma dessas partes minhas para, no final, falar do meu corpo como um todo. Depois de desenhar, fotografei cada página no iPad e as usei como storyboards. O processo de arte final foi muito rápido, levou pouco menos de três meses.
 


O livro está sendo publicado em partes como webcomic, nas redes sociais, e em formato físico, completo, pela Harpers Collins. Pensando em suas experiências com as duas formas de publicação, quais as diferenças e similaridades que observa na recepção dos leitores às suas histórias? Como é para você lidar com esses temas nas redes sociais?
 

Acho que os dois formatos estão interligados no consumo do meu trabalho. Sempre começo postando meus livros na forma de webcomic, para criar um público leitor que depois financiará o livro, então muitas das pessoas que compram o livro já conhecem a HQ da internet. Quando a pessoa só consome o livro, é outro público: geralmente um pessoal mais velho, ou então bem novinho, que não está muito nas mesmas redes que eu publico, mas que conhece meu trabalho de outros lugares (bibliotecas, eventos…). Percebo formas diferentes de consumo. No livro, a pessoa tem uma relação que tem a ver com o projeto gráfico, tipo de papel, a beleza da capa, o cheiro (muita gente vem cheirar meus livros nas feirinhas! rsrs)… Já nas redes é totalmente diferente. Acho que o mais legal (e também o mais aterrorizante) de publicar na forma de webcomic é que as pessoas interagem quase que instantaneamente com minha história; se reconhecem, comentam, marcam amigos, isso é muito bacana de ver. Mas também tem o lado de ser mais intensa e rápida a resposta negativa, quando há. Com este tema, do padrão de beleza, já senti que pisei no calo de muita gente… Vamos ver como vai ser daqui em diante!
 

Você é quadrinista, ilustradora, e ainda jornalista com especialidade em reportagens gráficas, como o caso da HQ jornalística Quatro Marias. Como a formação em jornalismo auxilia na sua visão de vida e, consequentemente, na sua arte?
 

Quando entrei na faculdade de jornalismo, percebi que não era exatamente aquilo que eu queria fazer da vida, e achei que estava perdendo tempo, embora não quisesse desistir. Mas o que eu não entendia era que todas as habilidades que eu desenvolvi na faculdade me ajudariam mais tarde a fazer o que faço hoje: desenvolvi uma boa escuta, uma fome por boas histórias e um talento bom para narrar; sei escrever um roteiro, sei diagramar um pouquinho, e também sei cuidar da minha divulgação pessoal. Além disso, fiz muitos contatos que me ajudaram e seguem me ajudando. No fim, foi a melhor faculdade que eu poderia ter feito para trabalhar com o que trabalho hoje.
 


#Quadrinhos   ; ; ;


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