SABOROSO CADÁVER, canibalismo institucionalizado

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“O ser humano se diferencia dos outros animais pelo telencéfalo altamente desenvolvido, pelo polegar opositor e por serem livres.”

 

O curta Ilha das Flores, de Jorge Furtado, ao destacar a “sutil” diferença entre seres humanos e animais, evidencia a assustadora e ampla possibilidade de desumanização do homem. Ao final do curta, a percepção de que a humanidade está diretamente ligada ao valor que o ser humano representa socialmente (e ao lucro que ele gera) e a elucidação de que a desumanização (ou animalização) do ser humano não é tão incomum.
 

A distopia Saboroso Cadáver, da escritora argentina Agustina Bazterrica, leva o processo de desumanização ao extremo. Criação. Reprodução. Abate. Consumo.
 

  
O livro, que conta com tradução de Ayélen Medail, acompanha um mundo assolado por um vírus que se espalhou entre todos os animais, tornando mortal aos humanos o consumo de suas carnes. Impossibilitada de se alimentar de carne animal, a sociedade passou a institucionalizar a criação e reprodução de seres humanos como animais de abate. Assim, “a sociedade ficou dividida em dois grupos: os que comem e os que são comidos”. 
 

Ao observar os pontos do canibalismo institucionalizado, é possível fazer paralelos com a frieza com que o ser humano consome outro ser humano, de forma figurativa, em uma sociedade que valoriza o lucro em detrimento da igualdade. E de forma conotativa, quando o processo de desumanização utiliza-se da seletividade feita através da ressignificação e inferiorização do corpo do outro, que é embrutecido, animalizado e aniquilado. 
 

O termo visceral nunca pareceu tão preciso ao se referir a um livro como em “Saboroso Cadáver”. Ao acompanhar o processo de comercialização da carne humana, ou o “circuito da carne, como o protagonista chama, observamos os princípios que naturalizam o ato de comer outro ser humano, bem como as mudanças que o precedem, como o medo e a ressignificação de termos – como o uso de “cabeças” ao invés de “humanos”, por exemplo.
 

Livro aberto no capítulo 6 do livro
Em meio a descrições vívidas e pungentes, as reflexões do protagonista sobre como o mundo ficou daquela forma levam o leitor a questionar a maneira como ocorre o próprio consumo animal. Por que comemos carne de porco mas questionamos países que consomem carne de cachorro? O valor atribuído a diferentes animais é o limiar entre objeto de afeto e a próxima refeição. Na obra de Bazterrica isso também ocorre, juntamente a um valor atribuído em um contexto social.
 

Com uma narrativa impactante e objetiva, a autora nos transporta a um lugar de questionamentos, com reflexões sobre um mundo onde o horror é justificado e conveniente àqueles que estão no topo da cadeia alimentar desse sistema brutal.


#Livro   ; ; ;


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