Criado por Francylene Silva - 16 de agosto de 2021 às 18:05
“Eu tranco a porta, mas eles vêm mesmo assim, ouço seus sussurros à noite e tenho muito medo desses mortos inquietos, estes fantasmas, criaturas etéreas. […] Você precisa vir me buscar, Noemí. Você precisa me salvar.”
Esse é um trecho da carta que Catalina manda para a prima Noemí Taboada logo nas primeiras páginas de “Gótico Mexicano”, livro de Silvia Moreno-Garcia, ambientado no México, na década de 50. A jovem viaja então até a nebulosa High Place, mansão isolada onde a recém-casada Catalina vive confinada com o marido, Virgil Doyle e a família dele.
A família Doyle, descendente de uma rica linhagem inglesa, aparece como importante e temida figura da pequena cidade de El Triunfo. A história deles, que inicia no final do século 19, quando se mudam para o México, é entrelaçada com a da cidade. Mas agora,os Doyle seguem com a altivez que já não lhes cabe, já que o prestígio e a vida luxuosa ficaram no passado.
Ao chegar em High Place, para investigar se a prima está realmente em perigo, Noemí encontra um lugar repleto de regras e mistérios, com pessoas que a recebem com pouca receptividade. Muito diferente da vida badalada e repleta de admiradores que estava acostumada na Cidade do México.
Publicado pela DarkSide Books, e com tradução de Marcia Heloisa e Nilsen Silva, a obra apresenta diversos dos elementos pelo qual a literatura gótica ganhou notoriedade. Mas além da mansão assombrada que esconde segredos, da paisagem envolta em neblina e do clima gélido, a escritora explora de forma complexa o sentido de mal e loucura característico do gênero. A distinção entre realidade e ilusão joga Noemí em um limiar entre força e insanidade regido por visões e pesadelos de dar frio na espinha. E a intimida pelo seu maior medo: a supressão da sua liberdade.
A magnitude de Gótico Mexicano está em usar de um contexto já tão trabalhado, mas utilizando de uma heroína que foge aos conceitos clássicos. Noemí é destemida, independente e ao contrário das mulheres de seu tempo tenta da forma que pode ter as rédeas de sua vida e de suas escolhas. As reflexões sobre seu papel numa sociedade tecida pelo patriarcado remete a questões contemporâneas. Assim como é realizado com outros temas na narrativa, como racismo e xenofobia.Na narrativa fica claro que a força opressora é a dos britânicos, dos brancos. E como os mexicanos foram afetados pelo colonialismo.
Outro destaque da obra é como o olhar sobre latinos é subvertido, tanto na apresentação de suas características, que sim apresentam traços de sua origem, mas não caem em estereótipos. Tanto na exploração da pluralidade dos cenários, saindo da caracterização árida que costumam associar ao México.
Silvia Moreno-Garcia constrói uma narrativa eletrizante que hipnotiza o leitor e consegue mexer com sua mente assim como mergulha na de seus personagens. Mistérios, reviravoltas e relações conturbadas espreitam em corredores frios que escondem o mal em sua essência.
#Livro resenha; Silvia Moreno-Garcia
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