Criado por Francylene Silva - 15 de junho de 2021 às 17:08
Com roteiro de Milena Azevedo e arte de José Veríssimo, o quadrinho “A Parteira” entrega uma história repleta de dilemas. Na narrativa, Dite trabalha como a única parteira da região do Vale do Vento Dourado. Mas, se sentindo desvalorizada por todos, começa a furtar algo das casas das famílias para as quais presta serviço. Desmascarada, ela decide fugir para o Reino da Lua Perdida, onde é muito bem recebida. Mas toda a glória cobrará um alto preço.
Em entrevista exclusiva ao Mais QI Nerds, Milena contou detalhes sobre como surgiu “A Parteira” e ainda falou sobre suas maiores inspirações para criação da história.
Como surgiu a ideia de A Parteira?
A ideia para a história surgiu quando eu me questionei por que me sentia tão bem ao jogar jogos do gênero RPG. Entendi que esse tipo de jogo, além de possibilitar moldar o nosso personagem – não apenas os aspectos físicos e psicológicos, como também o caráter, o aprimoramento das técnicas de manejo de armas, destreza, estratégia –, proporciona uma sensação prazerosa de recompensa imediata a cada feito marcante do personagem; recompensa que pode vir através de moedas, estátuas, canções, armamentos, ornamentos, vestimentas, informações.
Esse sistema de recompensas, presente na estrutura da jornada do herói, é totalmente diferente do que acontece na vida real. No dia a dia, por mais que nos esforcemos, agindo de forma bacana conosco e com os outros, dando conta de nossos afazeres da melhor forma possível, chegando mesmo “a matar um leão por dia”, a recompensa muitas vezes não vem. Ou não vem da forma como gostaríamos.
A partir daí, pensei em uma personagem que ofertava sempre o seu melhor à comunidade, até perceber que ninguém lhe dava a mínima atenção ou sequer um simples “obrigado”. Então, ela começa a preencher esse vazio com mágoa. E a mágoa a faz cometer atos egoístas. Sem perceber, ela acaba se tornando tão egoísta quanto os demais, a quem via como ingratos. Assim, o melhor caminho seria criar uma trama de redenção, uma história na qual essa protagonista perceberia seu erro e se autolibertaria; libertando também a sua comunidade.
Eu gosto deveras de trabalhar “o herói caído”, aquele sujeito que se deixa corromper e, depois de levar na cara, toma jeito na vida, por assim dizer. Ter a possibilidade de fazer isso com uma personagem feminina era bacana, e assim comecei a esboçar a trama.
Dite vive nesse “sistema” compensatório, de ajudar à vida vir ao mundo, ao mesmo passo que tira algo da família. Como foi trabalhar essa dualidade na protagonista?
Trabalhar contradições é bom demais! Eu não resisti em brincar com isso, com alguém que ajuda a trazer vida e aproveita para usurpar algo precioso das famílias.
Além disso, o nome da personagem vem de Afrodite, porque eu quis trabalhar o embate entre as versões Pandemos (apelo ao físico, ao corpo, à matéria) e Urânia (mais voltada ao lar). Ou seja, a personagem precisaria deixar o seu amor pela matéria morrer, para então abraçar o sentimento de forma plena: o amor por si mesma (sem ser uma ególatra) e pelos demais, principalmente pelo Phaestus, e começar uma família.
Quais foram as inspirações para criação da história?
Além da mitologia grega (Afrodite e Hefesto, porque Phaestus traz umas características dele), eu tinha a intenção de escrever uma história que valorizasse o poder da amizade, e também de enfocar a importância da mulher na sociedade, que teve sua voz e seus desejos tão abafados ao longo dos tempos, e nos dias de hoje vem ganhando espaço e poder (após anos de luta), e como isso traz desconforto para alguns, inclusive, pasmem, até para algumas mulheres. O discurso da Rainha da Lua Perdida fala sobre isso. E ela só se manifesta após o “puxão de orelha” dado por Dite.
Para aprimorar o processo de autolibertação da Dite, resolvi inserir em suas falas algumas reflexões que tive a partir de conversas com a amiga Glacia Marillac, parceira de outros dois projetos: Amor em Quadrinhos e Dara, Dora e as estrelas, e com quem aprendo constantemente.
#Quadrinhos e José Veríssimo; Entrevista
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