Entre na onda de “Haole”: Entrevista com Milena Azevedo

Criado por -

Ambientada em Natal, no Rio Grande do Norte, o quadrinho Haole conta a história de Irene, uma jovem surfista negra e deficiente física, que sofre com fantasmas de seu passado. Ela passa por uma experiência extraordinária ao ser transportada para um mundo paralelo.
 

Criado em 2016 por Milena Azevedo, o quadrinho, que conta com desenhos de Sueli Mendes e Chairim Arrais, e artes-finais de Blenda Furtado e Chairim Arrais, ganha uma nova edição. lançada em formato digital. Essa versão traz o primeiro arco completo, compilando os 5 primeiros números do quadrinho, e ainda apresenta material extra. 
 

Para entender mais sobre o novo momento do quadrinho conversamos com Milena Azevedo, que revelou ainda um pouco do processo de criação e destacou a importância de criar histórias passadas no Nordeste.
 

Como surgiu Haole? Quais foram as inspirações para criação da história?
 

Haole começou a se desenhar na minha cabeça logo quando a Ana Recalde ligou, me convidando para participar do Pagu Comics. Eu havia relido Alice no País das Maravilhas e Através do Espelho recentemente e logo falei a ela que queria fazer uma HQ numa pegada de fantasia, empregando o tema de Alice (crescimento/amadurecimento), que se passasse aqui em Natal. Depois me veio à cabeça que a personagem seria uma surfista, pois adoro o Surfista Prateado, mas seria uma surfista negra e deficiente física.
 

Encerrado o telefonema, a ficha caiu, e eu fiquei numa empolgação grande para elaborar melhor personagem e trama. Foi então que pensei no nome Irene para a protagonista (que significa “aquela que traz a paz”), e que a trama seria subdividida em duas: uma parte se passaria no mundo real e outra numa espécie de mundo dos sonhos.
 

As inspirações foram os dois livros do Lewis Carroll, a personagem Irene Adler (única mulher que o Sherlock Holmes literário amou, por ser até mais inteligente e perspicaz que ele), mitologia nórdica (Nornas), e a estética dos filmes do Tim Burton e do David Lynch (que seriam a base para o mundo dos sonhos). Para D. Nenzinha, a inspiração foi a diarista daqui de casa, que tem umas tiradas ótimas e eu não queria perdê-las. 
 

Conte um pouco sobre o processo criativo.
 

O primeiro passo que dei foi rever minhas anotações sobre os livros do Lewis Carroll, e então estabeleci que Irene iria passar por sete portas em sua jornada de amadurecimento e aceitação (poça de lágrimas, corrida caucus, Chapeleiro/Gato de Cheshire, labirinto/espelho, rainhas, Rainha de Copas/Humpty Dumpty, Rainha Irene).
 

Depois eu comecei a pesquisar muito sobre surf e suas gírias (foi daí que veio o nome “Haole”, que significa alguém que está surfando numa praia estrangeira, numa praia diferente da sua, e isso casou tanto para o mundo real – Irene morava em Tibau, interior do RN, e vem para a capital, Natal – quanto para o mundo dos sonhos). Para justificar a presença de Irene no mundo dos sonhos, eu recorri à mitologia nórdica, enfocando as Nornas (que são as três guardiãs do tempo, ou seja, elas terem o destino de deuses e homens). Para os demais personagens, pensei em criar um rapaz gordo de bom coração, que sofre um pouco por não ter seu amor correspondido (Gordofredo); um mestre-cuca surfista gente boa e em muito boa forma (Dudu) e uma periguete arrogante, ácida e altamente preconceituosa (Kalyane). Já a mãe de Irene teria que ser uma jovem senhora gordinha, um tanto quanto baixinha e muito religiosa, com pele clara e cabelo “meio alourado”, ou seja, uma típica mulher seridoense (da Região do Seridó, no RN). Depois desenvolvi os conflitos de Irene e os dos demais personagens. Feito tudo isso, elaborei o argumento, separando o que seria mostrado em cada um dos cinco números de Haole, e comecei a escrever o roteiro. Ah, teve pesquisa de imagem também, pois além de tudo eu precisava que a desenhista (Sueli Mendes) e a arte-finalista (Blenda Furtado) da parte real da trama, que não são de Natal, se familiarizassem com os cenários e costumes nossos, como também retrata bem as cenas de surf da modalidade kneeboard (onde se surfa de joelhos).
 


 

O quadrinho é ambientado em Natal, no Rio Grande do Norte. Qual considera a importância de explorar lugares do país, principalmente do Nordeste, nas histórias?
 

O Nordeste desconhecido do pessoal do Sul/Sudeste, que em geral chama todos os nordestinos de “paraíba” ou “baiano”, é mais do que necessário ser retratado na cultura em geral, em especial nos quadrinhos. Adorei ter liberdade para isso e, mais ainda, de poder mostrar um pouco do nosso jeito de falar também. Mas o real, e não aquele sotaque estereotipado e clichezão que é mostrado nas novelas. Afinal, quem é daqui sabe que o Pernambucano fala totalmente diferente do cearense, que por sua vez fala diferente do baiano. E temos até gírias parecidas, mas umas são bem potiguares, como “destá”, “frechado”, “caningado”. O Pagu Comics foi bacana porque a Germana Viana, nas Empoderadas, retratou São Paulo, e a Cris Peter, de Quimera, retratou Porto Alegre. Tínhamos vários “Brasis” dentro do grupo e o resultado foi muito bacana.
 

Criado em 2016, o quadrinho retorna em versão digital, algo que começa a ser mais explorado pelo mercado de quadrinhos dado ao momento. Como você percebe a utilização desse meio de consumir quadrinhos?
 

Eu adoro as HQs físicas (o lance de cheirar as páginas e tal), mas consigo ler numa boa HQs digitais. E a questão do espaço físico não dar mais conta de tantas coleções (livros, HQs, CDs, filmes) está me fazendo mergulhar profundamente no digital.
 

Vejo o digital hoje, principalmente nesse momento de pandemia pelo qual estamos passando, como um suporte bacana, rápido, prático e um pouco mais em conta de se chegar ao leitor. E nem falo somente em e-books, mas também em versões pdf. que alguns quadrinistas vêm disponibilizando para venda. Entre os brasileiros ainda há o pessoal que torce o nariz para o digital, mas entendo que, com o tempo, esse pessoal vai perceber o quanto a leitura nesse suporte é prazerosa.
 

Haole sempre foi digital (era um dos títulos exclusivos do Social Comics). Com o final do contrato, apresentei o projeto para algumas editoras. Como não obtive resposta, resolvi produzir os cinco números em formato e-book e, depois, uma versão compilada, com extras e nova capa, chamada Haole Ano 1.
 

Adquira Haole: https://amzn.to/2Exg4HD


#Quadrinhos   ;


Quer fazer parte da equipe?

Acesse a página Colabore e saiba como. Esperamos você!