Criado por Francylene Silva - 14 de novembro de 2019 às 16:34
A escritora carioca Lu Ain-Zaila lança a novela afrofuturista cyberfunk “Ìségún”. Destaque na literatura afrofuturista brasileira, a escritora já havia lançado mais três obras do gênero, de forma independente: a Duologia Brasil 2408, composta dos volumes (In)Verdades e (R)Evolução, e o livro de contos Sankofia.
Fazendo parte do coleção Universo Insólito, da Monomito Editorial, Ìségún acompanha Zuhri, detetive do Núcleo de Combate a Crimes de Ordem Ambiental-Humana, em sua investigação a respeito do assassinato do Dr. Diop, chefe de pesquisas de biolimpeza industrial da Alphabio Tech.
Em meio às tensões espaciais e sociais entre a Cidade Alta e a Cidade Baixa, a detetive Zuhri precisará não só resolver o crime hediondo mas também entender sua conexão com Ayomide.
Para entender mais sobre a obra, conversamos com Lu Ain-Zaila , que entre revelações sobre inspirações e processo criativo, falou mais sobre a importância do protagonismo negro.
“A escrita afrofuturista é para todas as dimensões de leitores e leitoras, para que percebam que muitas histórias ainda estão por contar, que existem outras línguas e dialetos que podem ser escritos, literatura é lugar pra isso, para verem que precisa haver espaço para o respeito às diferenças na sociedade. Parece algo pequeno, mas não é, o cotidiano prova e eu insisto que há espaço para mudança, não apenas pela literatura, mas por um corpo de ações, a mesa de decisões precisa ser mais diversa e isso não é um favor.”
Como surgiu Ìségún?
Eu queria uma obra mais periférica até em termos de linguagem, queria algo urbano, só não sabia o que, mas queria uma história entre comunidades, mostrando que esse chão dá história tanto de cyberfunk como de tantas outras possibilidades. E a questão da música foi um fator importante, gosto de ter uma trilha sonora e quando vi, tinha mais que isso, tinha uma voz em meio ao processo. E a capa diz algo sobre o livro: eu sou porque nós somos. Isso é filosofia africana, é bom se reconhecer.
Ah sim, Ìségún é a minha primeira escrita não autopublicada, uma parceria com a Ed. Monomito, um trabalho lindo com o livro que faz parte da Coleção Universo Insólito e que já tem publicado o livro da Ana Rusche, a Telepatia são os outros, vale conferir.
A obra é definida como cyberfunk. Poderia explicar melhor o termo para quem não conhece?
Existe uma proximidade do termo com o cyberpunk, em relação ao caótico, a tecnologia, mas os sujeitos são outros, o espaço geográfico e o som são outros. É funk, é samba, rap, ijexá, música negra… e na minha versão está relacionado à periferia, saio do urbano e vou para as margens, as comunidades, não tem neon, tem falta de luz. A questão da modernidade e produção sobre os sujeitos é mais específica, falo do racismo ambiental, zonas de sacrifício, assim como poderia falar de neoextrativismo e neocolonialismo que estão aí, todos os dias, vide Mariana, Brumadinho, Bumba, os buracos de minérios, as represas passando por cima das vidas quilombolas e indígenas. Tá tudo aí e é sobre o que escrevo aliado a uma dinâmica ficcional e ancestralidade que pode ser histórica, mitológica ou ambos, vai depender do contexto.
O que Ìségún traz de novo? Qual considera a importância do protagonismo feminino negro?
Bem, a história como um todo é algo novo, isso fica claro logo no prólogo e vai até a última linha, aí não posso contar, mas sobre as personagens negras posso dizer que a questão do contato, respeito, união, imagem e estética positiva são algo faltante na literatura. Na Duo Brasil 2408 tenho mãe, filha, amigas e aliadas, já em Sankofia tenho empregadas domésticas, guerreiras, astronautas periféricas, professora desbravadora, menina com poderes. Todas essas possibilidades estão em falta na literatura brasileira. A imagem positiva e de valor da mulher negra, a humanidade, tudo de uma forma bem amarrada mesmo quando não vi de primeira era o que meu consciente mandava escrever. Isso é um grande ganho para mim. Quero que seja um legado e exemplo de protagonismo negro e que futuramente venham a pipocar as novas colegas de escrita.
Quais foram suas inspirações para a criação da história?
Eu queria fazer algo mais periférico e comecei a pensar e pesquisar o que nos atinge todos os dias e o ficcional não vê e aí vem os sinais, um colega tá fazendo isso, a dragagem da minha rua tem sido feita por causa das casas à venda, a enchente aqui é menos interessante, qualquer água no calcanhar da zona sul já é um desastre, como não ver? Política pública é o que fazem e o que não fazem também e então a coisa foi tomando corpo nas notas, nos rascunhos e então fui escrevendo e realmente Ìségún está com uma narrativa muito legal, além de alguns pontos que não vou mencionar para não estragar a surpresa.
Como é seu processo criativo?
Estudo pensadores negros e negras relacionados a algo que estou pensando, tecnologia, ciência, espaço geográfico, época, o que vai estar exacerbado, o que tem dedo nosso no problema, história e cultura negra em geral. Eu vou lendo, anotando em papel, mantendo, riscando, falas vão surgindo, descrições vão surgindo, não sou de ficha, a coisa é meio psicografada. E como já disse, se acham meu processo estranho, saibam que Nnedi Okorafor e Conceição Evaristo tem um pouco dessa “energia” de produção também, então estou me sentido perto delas que tem escritas maravilhosas. E de madrugada, escrever mesmo é nesse horário.
#Eventos Lu Ain-Zaila; Monomito Editorial
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