O segundo romance de Fábio M. Barreto traz uma história de ficção científica eletrizante centrada em um dos maiores elementos do gênero: viagem no tempo.
Em
Snowglobe, a cientista Rebecca Stone faz a grande descoberta da viagem no tempo. O feito ocorreu no mesmo dia que ela perde o melhor amigo em Nova Iorque, o ex-namorado desaparece em São Paulo e ela recebe uma arriscada missão. Tudo está conectado. E para resolver o mistério e evitar mais mortes e desaparecimentos, ela vai em busca de respostas, colocando a vida em perigo e arriscando o futuro da Terra.
Fábio M. Barreto, que é autor ainda de “Filhos do Fim do Mundo” e “A Última Balada de Bernardo”, além de comunicador e instrutor de escrita criativa no
EscrevaSuaHistoria.Net, concedeu uma entrevista ao Mais QI Nerds. Nela, o autor deu detalhes sobre o processo criativo do Snowglobe e ainda falou sobre as mudanças observadas no mercado de literatura de ficção científica do Brasil nos últimos anos.
Como definiria Snowglobe?
É mais fácil definir histórias contadas pelos outros, pois não temos aquela ligação afetiva com o material. Se tivesse que definir Snowglobe além do gênero, claro, seria algo assim: Snowglobe é uma história sobre perda, sobre família, sobre escolhas.
Acredito que esses sejam os principais temas e os pontos narrativos mais importantes. Construí uma ficção científica mesmo para quem nunca leu nada do gênero, ou acha que não gosta, baseado nesses pilares. No fim das contas, o que mantém o leitor com a gente são as personagens e motivações delas, todo o resto pode, até certo ponto, ser apenas pano de fundo.
Como surgiu a ideia do livro ?
Não lembro a data certa, mas foi há mais de 20 anos. Eu estava entediado ao extremo e preocupado com os rumos da minha vida — é, todo mundo passa por isso pelo menos uma vez –, então pedi o apartamento de uma amiga emprestado e fiquei três dias na praia, cercado por livros, sanduíches de presunto e queijo no pão de forma e muita tranquilidade. Vez ou outra, eu descia até a praia para pegar um espetinho de camarão, afinal ninguém é de ferro. Enfim, num daqueles dias, estava lendo Isaac Asimov. Era “Fundação e a Terra” e por influência direta da história da série “A Fundação”, comecei a pensar em manipulação global, em quantas mentiras a gente acredita e em quem poderia se beneficiar com um esquemão desse tipo. Eu era muito novo para encarar uma história assim, aliás, eu nem pensava em ser autor naquela época. Então, a ideia ficou guardada. Só fui começar a pensar nela como uma obra de ficção especulativa em 2012. Desde então, tentei escrevê-la algumas vezes e sempre parava no mesmo ponto. Esperei mais uns anos até resolver todos os problemas que me incomodavam. Sabe, uma ideia não é suficiente para sustentar um romance. Precisamos de centenas de ideias, de uma boa estrutura, de tempo para a história amadurecer. Felizmente, pude deixar tudo isso acontecer. Uma resposta mais simples seria: eu queria analisar como as ferramentas tecnológicas de hoje podem ajudar, e prejudicar, o nosso futuro. Sabe o Black Mirror? Então, a série nasceu de ideias como essa na literatura.
Como é o seu processo de escrita?
Essa pergunta é muito subjetiva, pois como sabemos exatamente onde e quando começa o processo de escrita? Poderia dizer que meu processo começou há 20 anos, poderia dizer que começou em junho de 2019. Cada história tem seu ciclo de vida e produção, então o processo muda. Para Snowglobe, posso dizer que tentei algo novo e arriscado: aluguei um escritório e dividi o processo em duas partes. A primeira foi planejamento. Peguei todas as tentativas de outline anteriores, reli, anotei algumas coisas legais, e guardei tudo. Então, fiquei três dias trancado numa sala de reunião com uma lousa. Estruturei um ato por dia, com o maior nível de detalhamento possível naquele momento. Passei tudo para um bloco de notas e, no quarto dia, comecei a escrever. Em alguns dias, escrevi apenas 900 palavras, noutros cheguei a fazer 7000 palavras. Dependia do fluxo, do dia, do momento da história. Trabalhei cerca de 10h por dia, às vezes encarando a página em branco ou o próximo parágrafo, às vezes escrevendo feito maluco. Uma coisa importante deste processo foi: eu defini um prazo muito apertado, então, não tinha tempo de ficar duvidando da qualidade, das escolhas, de como os leitores receberiam, etc. Eu só tinha uma opção: sentar e escrever. Isso me deu liberdade para confiar na história e ir até o fim. Eu só fui reler tudo quando começamos a editar. Foi fantástico!
Quanto tempo levou ao todo para escrever o novo livro?
Snowglobe foi escrito em 94 dias. O prazo inicial era de 3 meses, mas precisei de uns dias extras. Uma peculiaridade desse processo foi a edição: enquanto eu escrevia um novo capítulo, a editora – Soraya Coelho – já editava e revisava o capítulo anterior. Então, quando eu terminei o último capítulo, ela só precisava trabalhar nos últimos dois capítulos. Logo, redação e edição aconteceram simultaneamente. Achei isso muito rico para o resultado, pois quando havia algum erro muito bizarro ou falha lógica, a editora logo avisava e eu podia arrumar no resto do livro, em vez de perder tempo achando esses erros meses depois, aí voltando para arrumar no livro todo. Esse sistema é insano, eu sei! Mas foi o que eu precisava para me manter no foco e garantir a finalização do projeto.
Como foi seu início no mundo da escrita?
Sou jornalista de formação e profissão. No primeiro mês da faculdade de Comunicação Social, arrumei um estágio na redação de O Estado de S.Paulo e nunca mais parei de escrever. Eu cobri música, gastronomia, polícia, tecnologia, games até, finalmente, chegar ao entretenimento, que sempre foi minha grande paixão. Por isso, pode-se dizer que eu escrevo profissionalmente desde os 17 anos. Esses anos de prática fazem a diferença na hora de escrever um romance em três meses. Eu fiz datilografia (sei, sei, entreguei a idade), então digito com os 10 dedos e com uma velocidade meio insana. Não que isso seja especial ou nada, mas cada habilidade extra ajuda na hora de encarar projetos malucos.
O seu primeiro romance “Filhos do Fim do Mundo” – ganhador do prêmio Argos de Ficção Especulativa – foi lançado em 2013 . E agora, após 6 anos, lança seu segundo romance. Quais mudanças observa em sua escrita e percepção do mercado – em especial o de ficção científica – em comparação a data do primeiro para o segundo livro?
As maiores mudanças são internas. Minha vida virou de cabeça para baixo nesses seis anos, assim como minha perspectiva sobre minha função e o mercado em si. Esse amadurecimento faz bem a qualquer um e espero ter podido tirar proveito. Sendo mais direto, escrevi com mais confiança. Em “Filhos do Fim do Mundo”, tive um editor ausente, que deu liberdade total e não participou do processo. Liberdade total não é bom, pois qualquer um pode cometer deslizes, sofrer com exageros e não ver erros claros por estar próximo demais do material. Uma boa edição mantém a história no ritmo, reduz esses perigos e é fundamental para a verdadeira liberdade, que só existe com foco e confiança. A confiança de que do outro lado existe alguém prestando atenção e querendo extrair o melhor de você. Então, em “Filhos…”, eu tinha um pouco de medo. De falhar com o leitor, de ser prolixo demais, de perder a atenção do público, de me acharem chato. Eram muitas preocupações. A maioria delas tola. Por que não temos como controlar a recepção do público, sabe? A gente controla a história e como escreve, o resto fica por conta de quem ler. Não que a gente deva ignorar o leitor, não, pelo contrário. Isso tem que servir para motivar o autor a escrever melhor, a contar uma história envolvente, a nunca baixar a guarda. Quando percebi isso, atingi um nível de confiança maior. Confiei nas partes que eu posso controlar e deixei o resto para lá. É muito difícil fazer isso, especialmente no começo de carreira. Ter insegurança é normal, sentir um pouco de medo também. Por isso é importante publicar. Cada novo trabalho alivia essas preocupações.
Eu também mudei muito pois, em 6 anos, fiz mais de 10 cursos de escrita nos Estados Unidos e alguns online na Inglaterra; ensinei pelo menos 6 turmas de escritores; li uns 20 livros teóricos sobre escrita; traduzi 6 romances; e li pra caramba. É muito conhecimento extra em relação a quando escrevi “Filhos…”. “Filhos do Fim do Mundo” foi feito por um jornalista se arriscando na escrita criativa, enquanto “Snowglobe” foi escrito por um escritor preparado. Pelo menos dentro da minha cabeça, as diferenças são imensas.
Sobre o mercado, bem, muita coisa mudou. Hoje temos uma nova geração de autores, editores e, o mais importante, leitores acostumados a consumir literatura nacional. Embora o Brasil ainda viva na dependência de exceções na literatura fantástica, pela primeira vez, podemos quebrar esse ciclo e, em vez de ficarmos tentando descobrir quem será o próximo Eduardo Spohr, estamos preparando uns 20 nomes para integrarem a próxima onda. Gente como Felipe Castilho, Isa Prospero e Paola Siviero estão mostrando muito serviço e conquistando leitores. Revistas como a Mafagafo e a Trasgo estão dando opções de publicação, então há um escoamento dessa produção. A ficção especulativa do Brasil sempre morreu na praia por não ter público suficiente. Agora, pelo jeito, isso está mudando. Finalmente!
O que sempre quis responder sobre o livro e ninguém nunca perguntou? Nos diga a pergunta e a responda.
“Se Snowglobe fosse um filme, quem seriam os atores?”
Erick = Richard Madden, o Rob Stark de Game of Thrones, ou o Dev Patel, mas aí o sobrenome italiano precisaria mudar.
Becca = Karen Gillian, de Doctor Who.
Blake = Zoe Deschanel, afinal, a personagem é inspirada na Melina Souza, que é a cara da Zoe!
Peter Stanton = Robert Carlyle
Joseph = Lance Reddick, de Fringe.
Andrew McNab = Gerard Butler
Tom = Christopher Walken
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Entrevista; Fábio M. Barreto; Ficção científica; Snowglobe