Criado por Francylene Silva - 24 de maio de 2019 às 19:27
Acompanhe, entre destroços e sujeira, o que ficou quando a Lama levou quase tudo. Presencie o horror da desesperança e do confronto com o trágico. Se assuste com o revide da natureza.
Lama é fundamentalmente uma história de horror, despertada através de diferentes estímulos; pela representação histórica, pelo uso do folclore nacional e pelo simbolismo presente. O cenário é de devastação, uma pequena cidade tentando se recuperar após uma catástrofe ter assolado o lugar, os personagens tentam sobreviver, o que resta fazer, e uma criatura mitológica aparece para cobrar o preço por tamanha destruição.
A ideia original da história nasceu para um conto, segundo o roteirista Rodrigo Ramos revela no prefácio da edição, e assim como um instigante pequeno texto, apresenta uma narrativa precisa conduzindo o leitor exatamente ao ponto desejado. Tanto que em 48 páginas, não apenas a história é contada, como uma visão ampla do contexto ao qual está inserida é concebida.
Se dividindo entre acontecimentos recentes e antigos (os últimos indicados por uma suavização clara nos traços, utilizada ainda para indicar lembranças), a narrativa vai sendo construída em cima de explícitas referências. A mais marcante é o desastre ambiental ocorrido na cidade de Mariana (MG) em 2015. Quando ao final de 2018 “Lama” foi lançado, ninguém pensaria que uma tragédia ainda pior a que serviu de inspiração para o quadrinho fosse ocorrer. Mas aconteceu…
Da Mitologia Tupi surgiu a criatura aterrorizante, o Ipupiara, monstro marinho cujos relatos são presentes no período do Brasil Colônia. ” […] quinze palmos de comprido e semeado de cabelos pelo corpo, e no focinho tinha umas sedas mui grandes como bigodes. Os índios da terra lhe chamam em sua língua Hipupiara, que quer dizer demônio d’água“, essa foi a descrição da criatura feita em 1575 pelo historiador e cronista português Pero de Magalhães Gandavo.
Essencialmente estes dois pontos são utilizados para discorrer sobre a ligação do homem com a natureza, desde tempos longínquos até os atuais, que é marcada pela negliência e perda. Toda a desolação e assombrosa falta de esperança, que aparece como uma nuvem pairando sobre a cidade, vai ditando o ritmo da narrativa em uma densidade crescente, sempre a expectativa pelo pior.
O roteiro explora os personagens através de suas relações entre si e sua confrontação com o ocorrido, seja tentando achar explicações sobre o por quê, ou procurando culpados, seja se virando para lidar com as consequências. A frágil situação em que estão, coloca em voga comportamentos extremos e complexas emoções.
A expressividade dos traços e os detalhes cênicos do ilustrador Marcel Bartholo corroboram para que os precisos diálogos de Ramos nos apresente a situação e o mais importante, nos faça ter empatia pelos que protagonizam a narrativa, sem a necessidade até mesmo de saber seus nomes.
Marcel utiliza do grafite e nanquim na HQ em preto e branco, onde manipula tons de cinza e preto para indicar tempo, como mencionado acima, e em algumas páginas para aplicar profundidade. Em seu blog, Bartholo descreve seu estilo em Lama como “um “meio termo’ entre o traço de Carniça e a estilização de personagens de O Santo Sangue“.
Lama é o segundo trabalho conjunto de Rodrigo Ramos e Marcel Bartholo. O primeiro sob o selo Carniça Quadrinhos, criado pelos dois. Certamente uam dupla que vale a pena acompanhar.
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MARCEL BARTHOLO é ilustrador, quadrinista e artista plástico, sócio-fundador do Estúdio Ideaboa. Pós-graduado em Artes Visuais-Cultura e Criação, é professor em Sorocaba (SP), onde ministra oficinas de desenho e criatividade. Organiza o Ilustradoria – Encontro Ilustrado, evento voltado para os admiradores e profissionais do desenho.
Sua estreia nos quadrinhos foi em 2016 com a publicação independente Insubstituível, que lhe rendeu indicação ao Troféu HQMIX na categoria de melhor colorista.
RODRIGO RAMOS é designer, nascido em Araraquara, no interior de São Paulo.
Em 2016, lançou, seu primeiro livro, “Medo de Palhaço”, pela Generale, junto de outros membros do Boca do Inferno. Em 2017, estreou na ficção com o conto “Penitência”, para a antologia “Narrativas do Medo”, pela editora Autografias. No mesmo ano, roteirizou “Carniça”, sua primeira HQ, produzida ao lado do artista Marcel Bartholo. Em 2018, publicou o conto “Clarice” na antologia “Narrativas do Medo 2”, pela Copa Books.
Atualmente, atua como crítico e articulista para os sites 101 Horror Movies e Terra Zero.
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